Nossa estadia em Acapulco foi certamente a parte mais turística de nossa aventura até agora.
Realmente escolhemos bem o local para viver 3 dias de turistas e um dia de ressaca.
Acapulco é mundialmente reconhecida como um dos principais destinos turísticos do México, mesmo estando atualmente um pouco apagada pelas alternativas caribenhas, Acapulco ainda mantém todas as caraterísticas que a fizeram ser este importante centro turístico mundial.
Sua enorme baía, maior que a de Canasvieiras, com uma entrada mais estreita, garantem sua proteção contra ventos e ondas, e em sua ponta norte foi construída na década de 60 o Clube de Yates de Acapulco, local em que até o Elvis certamente deu umas voltinhas e que seria nosso local de partida para explorarmos esta bela cidade, que muito lembra Balneário Camboriú.
Ancoramos em frente ao Clube de Yates, em mais de 20 metros de profundidade, cercados pelos barcos de festas que abundam por aqui, fazendo a alegria da turistada que se diverte ao som de músicas mexicanas, embalados por doses de Tequila e Margueritas coloridas.
Aproveitamos bem a excelente estrutura do Clube de Yates, principalmente sua piscina, aonde passamos duas tardes muito agradáveis, utilizando a Internet para fazer contato com amigos e com nossa família. Mais uma estrutura super luxuosa, que dificilmente teríamos a oportunidade de usufruir se não estivéssemos velejando. Naturalmente, este luxo não era gratuito, pagávamos U$ 35 por dia para podermos estacionar nosso Dingue nas dependêcias do Clube, e assim podermos usufruir suas comodidades.
Também aproveitamos o setor turístico da cidade, com seus bares em frente ao mar, muito parecidos com algumas regiões da Europa, com shows, garçons poliglotas, coquetéis variados e todos os atrativos necessários para os turistas que normalmente lotam suas ruas. Normalmente, mas não enquanto estávamos ali, especialmente pela queda das bolsas de valores internacionais, que realmente diminuíram o fluxo de turistas americanos, que por aqui são como os argentinos aí em Floripa. Normalmente estávamos sozinhos em enormes bares e restaurantes.
Aproveitamos também para conhecer uma das atividades mexicanas mais reconhecidas internacionalmente. Junto com as Lutas Livres e as novelas mexicanas, os Clavadistas de La Quebrada são a tríade turística do México, algo como o Cristo Redentor, as Cataratas do Iguaçú e a Amazônia são para o Brasil. Apesar da fama desta tríade, perdemos a oportunidade de conferir ao vivo a Lucha Libre na Cidade do México por um dia, não fazíamos questão de conhecer melhor suas telenovelas, mas não iríamos dar o vacilo de estar em Acapulco e não conferir os insanos saltadores de penhascos que atuam em uma fratura em um enorme costão exposto ao mar aberto, saltando de até 35 metros de altura em menos de 4 metros de profundidade, em um local estreito e lavado pelas ondas, merecidamente denominado La Quebrada.
Com este objetivo em mente, colocamos uma roupa mais arrumadinha, nos esprememos (5 mais o taxista) em um Fusquinha, e seguimos para La Quebrada para assistir os saltos do fim de tarde, que prometiam um belo visual com os malucos saltando com o sol se pondo de fundo.
Chegamos um pouco cedo, fizemos um primeiro reconhecimento do local, fiz meus cálculos e escolhi um local estratégico para ter boas fotos, a turma voltou a tomar cerveja e a pegar no meu pé por não beber com eles. A fome bateu, e já que estávamos em La Quebrada, fomos atrás de um boteco em uma quebrada qualquer para forrar o estômago. Incrível como quanto mais na quebrada se localiza o boteco, mais barata e bem servida é a comida, regra internacional.
Passamos o tempo que faltava entre nachos e tortillas, uma Coca Cola para mim e cerveja para os demais, e quando estava chegando a hora voltamos ao penhasco.
Os Clavadistas Professionales de Acapulco atuam desde 1948, quando o primeiro maluco resolveu se jogar no meio dequela quebrada, provavelmente incentivado por algumas doses de Tequila, depois diz a lenda que chamou seus amigos e os turistas começaram a aparecer para assistir. Os Muchachos que eram malucos mas não rasgavam dinheiro, começaram a cobrar, organizaram o grupo, e hoje, mais de 50 anos depois, continuam com a tradição…. de saltar e de cobrar… Pagamos 3 dólares por pessoa, parece pouco, mas lembre-se que de grão em grão a galinha enche o papo, e nos juntamos a umas 150 pessoas para assistir o espetáculo.
Felizmente, o local que eu havia planejado ficar ainda estava vazio, talvez por ser no cantinho, talvez por ter que ficar em cima do muro, com uma das pernas balançando no penhasco, mas fiquei amarradão em saber que teríamos boas fotos.
Com uma pontualidade incomum para países de terceiro mundo, o grupo de Clavadistas surgiu em meio à uma multidão que os saudava entre aplausos e frases de incentivo, desceu o penhasco que nos encontrávamos, entrou na água do estreito canal, de não mais de 5 metros de largura em que iriam saltar para o delírio dos presentes, e iniciou a escalada do paredão que serve como trampolim para seus saltos e para sua fama internacional.
Só a escalada já foi bacana de assistir, apesar de poderem se sustentar em enormes fendas e agarras naturais das pedras, e do paredão ter um ângulo favorável para a escalada, ainda era relativamente alta, com o primeiro platô a 18 metros, o segundo a 25 e o terceiro e último a 35 metros, este último adornado por duas pequenas capelinhas com a Virgem de Guadalupe, a Padroeira dos Clavadistas e de todos os mexicanos.
O grupo formado por 4 Clavadistas seguiu até o topo, saudou a massa, depois se dividiu, três desceram para os 25 metros, e o mais experiente se manteve no topo, enquanto um apreniz se esfroçava para retirar um côco que teimava em flutuar na área de pouso. Área de pouso liberada, sol se pondo, todos devidamente benzidos pela Santa Lupita, hora de começar o espetáculo.
Regulei a máquina para fazer fotos em sequência e pude ver pelo seu visor o primeiro a saltar dos 25 metros. A adrenalina tomou conta de todos os presentes, que certamente prenderam sua respiração ao ver aquele corpo caindo com graciosidade naquele espremido local, bem na hora em que uma onda entrava, aumentando sua profundidade em alguns centímetros.
O segundo Clavadista se preparou e fiz questão de ver diretamente, sem bater fotos, para ter a real noção do que era aquele salto. Naquela hora lembrei do Ricardinho, meu amigo mais psicopata em saltar de pedras de costão, ele realmente iria adorar ver aquilo. Mais um salto perfeito….mais uma sessão de aplausos, mais gritos de incentivo e parabenização.
O terceiro se preparou, também dos 25 metros, eu também me preparei, tentando manter a mão firme apesar do corpo estar com o corpo tremendo de adrenalina, acertei o foco e fui vendo quadro a quadro através do visor da câmera, o Muchacho Clavadista dar um mortal invertido, estilo duplo twist carpado da Daiane dos Santos, aterrizando perfeitamente em pé, exatamente aonde minutos antes o côco teimava em flutuar. A multidão foi ao delírio! Difícil segurar a adrenalina…. Sorriso estampado nas faces de todos os presentes, 3 dólares mais bem gastos da minha vida!
Mas ainda faltava um… O mais experiente… o que iria saltar mais do alto…. O sol criando aquela cor mágica na cena toda…. Ele foi na beira do penhasco, conferiu a área de aterrizagem, gritou alguma coisa para o aprendiz que limpou a área mais uma vez…. Atenção total, nem os Newzelandezes bebiam suas cervejas…. Todos os olhos voltados para aquele homem, certamente com mais de 40 anos, muitos dos quais saltando para aquele estreito canal, em um salto com centímetros separando sucesso e a morte.
Regulei a intensidade de luz da câmera para compensar o sol que se punha, apoiei o braço, acertei o ângulo para as fotos, mas queria ver ao vivo, queria ter aquela imagem na minha retina…. Mais uma benção, mais um sinal da cruz…. Silêncio generalizado… e lá vai ele… na tradicional posição do anjo, braços abertos em formato de cruz, corpo se pronunciando para a frente, desviando do ângulo do penhasco, voando para a frente, caindo no vazio…. Um segundo, dois segundos, três segundos… água… um barulho seco, o silêncio acaba… todos gritam, alguns assobiam, a maioria aplaude… ele ressurge, acena para a multidão enlouquecida… acabou o show, 4 saltos, menos de 20 minutos. A fama vai continuar.
Subimos os degraus que nos levavam a rua extasiados, sorrindo como crianças no circo, acompanhados por um casal da Inglaterra que a turma havia conhecido, no caminho encontramos o grupo de Clavadistas, pausa para fotos com os Muchachos, demos mais uns 2 dólares para a sacolinha dos Clavadistas, encontramos dois táxis, dividimos o grupo e, mesmo com a recomendação dos livros guias que diziam que os turistas não deveriam visitar o centro durante a noite por terem o risco de serem assaltados ou levarem uns tiros, e dos motoristas dos táxis que diziam que comer no centro era convite para sofrermos da vingança de Montezuma (nosso famoso Churrio), seguimos para a praça principal de Acapulco, bem no estilo Praça XV, com Catedral e enormes árvores que muito lembravam a nossa tradicional Figueira.
Escolhemos um restaurante local, com uma agradável sacada no seu segundo andar, enfeitado por fotos em preto e branco da baía antes da urbanização, de onde podíamos ver o show de um “Homem da Cobra” local, que animava os presentes na praça. Imediatamente iniciamos o “esquenta” para a festa de despedida do Casal Rhyse e Denise, que na manhã seguinte voariam para a Nova Zelândia.
Todos queríamos fazer com que a última noite deste grupo de 5 pessoas de diferentes partes do mundo fosse especial, como os demais dias em que estivemos juntos.
Eu estava muito feliz, estava tomando Pina Colada em Acapulco, com um Havaiano, um Newzelandês, uma Eslovena, um Indiano, uma Inglesa, e com minha amada esposa, que se esforçava para falar com todos, evoluindo seu inglês a cada hora.
Cerca de uma hora depois, todos já bem embalados, decidimos seguir para a “balada”, na área turística da cidade, fechamos o valor com dois Fuscas, que mais uma vez fizeram cada centavo valer a pena. Os motoristas entraram no clima e seguiram pela beira-mar acelerando as fucadas ao máximo, fazendo seus motores berrarem alto, abafando seu barulho com músicas locais ao volume máximo em seu interior… Mais adrenalina… Descemos alucinados, o Rhyse chegou a dar 10 dólares de gorjeta para seu motorista, que conseguiu vencer a corrida até o Bar Paradise.
Enquanto acertavam o pagamento dos táxis, me adiantei e descobri que não teríamos que pagar entrada se consumíssemos o equivalente a 25 dólares cada… seria fácil.
O Paradise era uma enorme varanda suspensa sobre a praia de Acapulco, com dançarinas, uma torre de Bungee Jump sobre uma enorme piscina, e naquela noite estava com a famosa promoção da Hora Feliz, pede uma e leva duas….
O Rhyse já chegou mostrando que não estava para brincadeira, encomendou logo 5 doses de tequila (chegaram 10), mais um balde de cerveja, e assim ficou fácil para todos entrarmos no clima e dançarmos bastante.
A música local era a tradicional Cumbia, bastante conhecida pelos frequentadores dos inferninhos de Canasvieiras durante o verão, ritmo só alterado quando fomos perguntados de onde vínhamos e a Rafinha falou - Brasil… aí o Paradise caiu no Samba!
O Indiano não queria ficar para trás do Rhyse e encomendou mais 6 doses (vieram 12), e eu que não bebia Tequila a mais de 10 anos não podia mais negar…. Tinha que entrar no clima com a turma… quando virei a sétima dose parei de contar.
Do nada surgem as garçonetes com dezenas de balões estilo baguete, multicoloridos, e a aposta era quem conseguisse levantar mais alto seu balão iria ganhar um Bungee Jump.
O Cameron se esforçou tanto que acabou ganhando um, mas quando foi saltar descobriu que o salto era grátis, mas teria que pagar o DVD com as imagens, 25 dólares. Negou o pagamento, me ofereceu, eu sabia que se saltasse ia poluir a piscina com tequila, mas ficamos na pilha.
Mais uma rodada de Tequila, mais muitas cervejas, as meninas dançando sem parar, o calor mesmo estando a céu aberto incentivava a beber mais… o Rhyse já falando na rotação 28, ricocheteando pelas paredes como bola de Pinball, eu tendo que aguentar uns mexicanos que queriam debater as escalações da seleção brasileira desde a copa de 1970 e quase nem lembrava mais meu nome, felizmente alguém decide que era hora de irmos. Ainda era cedo, nem eram 2 horas da manhã, mas se ficássemos mais sabíamos que ninguém conseguiria voltar caminhando.
Olho para o Cameron e falo… -Let´s jump in the swimingpool!
A piscina era bem mais embaixo, quando tínhamos chego fui conferir o local em que eles retiravam os que saltavam do Bungee, era uma plataforma perfeita para pular na piscina, mas me lembro de ter um gelo na barriga quando olhei lá embaixo e vi a piscina, mas a plataforma existia para isto… para saltar na piscina, talvez os Clavadistas também se apresentassem ali.
Ele me respondeu que se eu quizesse saltar tinha que ser agora e sem dar alarde, senão o segurança ia embassar.
Eu nem pensei, enfiei a mão nos bolsos, entreguei o conteúdo para o Cameron, passei por baixo de uma corda que isolava a plataforma, levantei a outra que impedia o salto e fui…. Consegui contar 4 pedaladas no ar antes de atingir a água, fui bem fundo mas não encostei no chão…. Adrenalina a milhão mais uma vez… nadei rapidinho até a borda, subi o mais rápido que a Tequila permitiu. -Agora tenho que encontrar a saída daqui, pensei. Tinha uma cerca de um metro e pouco, de madeira, pulei, naturalmente caí de bunda do outro lado, nem olhei para cima, só imaginava o segurança chegando para ver o que estava acontecendo, vi duas escadas, a da esquerda para cima, a da direita para o lado, fui na da esquerda, trancada. Voltei, fui pela direita, encontrei uma grade de metal, com aquelas pontas em cima, calculei, vi a rua lá em cima, tinha que ser por ali… Subi na grade, passei a perna por cima, tentando usar o que me restava de consciência para passar por ela… quando noto que uma ponta estava perigosamente ameaçando a minha próxima geração. Tarde demais ela furou a bermuda mas felizmente não me atingiu, consegui liberar a bermuda, passar para o outro lado, chegar na rua.
Olho para dentro do Paradise, a Rafinha gesticula para eu voltar, eu já calculando quanto dinheiro tínhamos para pagar alguma multa pela aventura, passo pela portaria, encharcado, torcendo para ninguém notar o furo na bermuda, chego até eles e a Rafa me fala que o Rhyse também pulou. A Denise pede para ir lá ajudar ele a encontrar a saída, nem penso duas vezes… pulei mais uma vez. Na metade da queda deu para ver ele nadando para aonde eu ia cair, sem saber que eu estava despencando. Ele levou um susto, rimos bastante, os dois adrenalizados, nadamos um pouco, uns mergulhos para descontrair, na saída descubro que o portão que eu pulei estava aberto, graças a meu estado quase perdi minha capacidade reprodutiva, sem saber que era só tentar abrir o portão que eu sairia andando sem maiores dificuldades.
Todos já estavam na calçada nos esperando, na hora um taxista abre a porta, os dois encharcados, ele não se importou. Seguimos direto para o Clube de Yates, entramos no dingue e nem lembro bem como, chegamos no veleiro. Consegui escrever no diário da Denise uma mensagem para o casal, que certamente será nosso amigo para sempre, mesmo que leve muito tempo para nos reencontrarmos, já fazem parte da nossa história, e nós da deles.
Só me lembro de algumas horas depois o casal vir dizer adeus a nós dois. Falei algumas coisas em inglês que não consigo me lembrar… eles disseram Adeus!!! Eu respondi…. We love you couple!!!
Horas depois acordamos em clima de velório e ressaca, só os 3 (eu, a Rafa e o Cameron) a bordo e começamos a nos preparar para seguir até Puerto Escondido, nossa próxima parada. A partir de agora seremos apenas nós 3, mas eles estarão sempre presentes.
Manuel Alves