Realmente, a aventura ainda não acabou.
Como a Rafa comentou no último Post, a Dupla teve que se separar, momentaneamente, é lógico.
Enquanto ela voltou à Floripa via Chile, eu voltei ao Brasil via Amazônia.
Nos despedimos com os corações tristes em Lima. Nossos aviões foram para a pista um atrás do outro, mas com destinos opostos, ela rumo ao sul, eu, ao norte.
Durante os quase 5 meses em que estivemos viajando juntos, conhecemos e fomos cativados por várias pessoas, que muito nos ensinaram e certamente, alguma coisa também aprenderam conosco. Infelizmente, para todas estas pessoas, chegou um momento de dizermos adeus.
Porém, agora este Adeus era diferente. Durante todo este período, nos despedíamos dos outros, muitas vezes com lágrimas nos olhos, com o coração cortado pela tristeza do momento, tentando adiar ao máximo, tentando manter os amigos próximos o quanto pudéssemos, mas o Adeus sempre vinha, porém sempre tínhamos um ao outro para consolar esta tristeza.
Sempre voltávamos ao nosso quarto, cabine ou barraca juntos, normalmente de mãos dadas, tristes, mas contando com o sorriso do outro como conforto, no ombro amado como apoio, na sinceridade do nosso amor como estímulo para seguirmos em frente, e continuarmos conhecendo novas pessoas especiais que nos levariam a novas despedidas tristes.
Mas o que fazer quando quem se vai é a pessoa amada?
Eu sempre viajei sozinho, sempre contei comigo apenas, sempre tive como companheira minha prancha, minha capa de prancha como conforto, minha mochila como apoio, minha barraca como casa. Nunca pensei que seria tão difícil voltar a estar sozinho na estrada.
Nos quase 10 anos em que convivo com esta pessoa maravilhosa que aceitou ser minha parceira eterna, perdi esta "manha" de me sentir bem rodando o mundo sozinho, mas algo aconteceu, não sou mais assim.
De uma forma que não consigo explicar, ela me completa, e assim, com o coração partido, e espiritualmente "incompleto", eu teria que continuar a aventura.
E desta vez seria aventura de verdade.
Saí de Lima com destino à Iquitos, capital da Amazônia Peruana, uma ilha no meio da Floresta Amazônica, com acesso apenas por barco ou avião.
Vôo tranquilo, no início sobre a Cordilheira Branca, com seus picos nevados, depois sobre uma imensa planície que inicia-se ali, no nordeste do Perú e segue até o Atlântico, sendo drenada por inúmeros rios que são os tributários do mais extenso e mais caudaloso rio do mundo, o Rio Amazonas.
Por este maravilhoso rio é que eu, como viajante solitário, teria que me reencontrar.
Logo na chegada à Iquitos, levei um choque com o incrível calor úmido da região. Enquanto sentia o calor escorrer pelo corpo e encharcar as roupas como apenas no México eu tinha sentido, parti atrás de um táxi disposto a não me meter a faca por ser turista. Todos pediam entre 20 e 25 soles, mas acabei fechando um por 8 soles, que ainda me levou à agência de passagens para o barco que me levaria à Santa Rosa, já na fronteira com o Brasil.
Iquitos é uma cidade relativamente grande, movida pelo Petróleo e pelo minério, mas a cada dia o Tráfico de Cocaína tem mais espaço em sua economia.
Acabei achando um Hostel por 15 soles (5 dólares) com Tv a Cabo e chuveiro decente.
Dei uma volta pela cidade mas acabei retornando logo ao meu quarto, pois o calor realmente estava demasiado.
No dia seguinte, cheguei ao Porto de Iquitos ainda a noite, para conseguir um bom lugar no Rápido Challenger Rápido por ser realmente veloz e Challenger, acredito que em homenagem para aquela nave espacial que explodiu no lançamento.
Era uma lancha de alumínio, com cerca de 30 pés (10 metros), 18 lugares, dois pilotos e um motor 225 hp que fez ela vencer quase 600km em 9 horas.
Experiência muito bacana, percorrer o rio lisinho a grande velocidade, vendo os povoados e choupanas passando rápido pela janela, observando os rios que seguidamente se juntam a este que no Perú é chamado Maranhón, depois Amazonas, até chegar ao Brasil e mudar de nome para Solimões, voltando a ser Amazonas apenas após Manaus, quando se junta ao Rio Negro.
Chegamos à Santa Rosa às 4 da tarde, fui carimbar meu passaporte com a saída do Perú e dei uma rápida visita nesta pobríssima cidade que muito lembrou-me aqueles filmes do Rambo no Vietnã dos anos 80, com barcos casa, choupanas de palha, palafitas, pontes suspensas sobre a lama que abundava por todos os lados. Realmente, estava em um dos lugares mais miseráveis que tive o prazer de pisar nesta vida.
Atravessei o rio mais uma vez e cheguei, após quase 5 meses, no Brasil.
Tabatinga, nossa porta de entrada pelo Alto Solimões, é uma cidade pacata e amigável, dominada pelas motos (7 paracada 10 habitantes), pelo forró e pelo Calypso.
Uma das maiores portas de entrada de Cocaína no Brasil, Tabatinga já teve um Delegado Federal que em entrevista mandou a "Pérola": "Em Tabatinga, quem não é traficante, vai ser!", provavelmente deve ter virado comida de jacaré.
Consegui um hostel por 15 reais, em quarto coletivo, mas estava vazio, o que me garantiu certa segurança, pois barato assim, seria grande a chance de ter alguns colegas de quarto meio suspeitos.
Passei 4 dias em Tabatinga, eventualmente caminhando pela Avenida da Amizade, que liga Tabatinga a Letícia, na Colômbia, que é bem mais segura, limpa e desenvolvida que Tabatinga. O bacana é que para ir à Colômbia e voltar ao Brasil, vai de moto, carro ou a pé mesmo, sem ter que mostrar nenhum documento ou pedir autorização.
No penúltimo dia de estadia, comprei minha passagem para o barco até Manaus, e quando voltei ao meu quarto, fui surpreendido por dois nativos da Guiana, em atitudes suspeitas, com perguntas ainda mais suspeitas, que me fizeram mudar de hostel em menos de 10 minutos. Com mochila cheia, computador, etc, não achei uma boa pagar para ver, mudei de hostel. Melhor pagar 10 reais a mais e dormir em segurança.
A viagem entre Tabatinga e Manaus, aproximadamente 1600km de rio, é feita em barcos chamados Recreio, aqueles de 3 andares, em que todos dormem em redes, e dura 5 dias e quatro noites descendo o rio e 8 dias e 7 noites subindo contra a corrente.
O barco que escolhi chamava-se Oliveira, estava extremamente bem mantido e fornecia comida de primeiríssima qualidade (pelo menos para o meu estômago).
Além de redes, pode-se dormir em camarotes com ar condicionado, mas aí perde-se muito do seu astral e um bocado de dinheiro.
Fui na rede mesmo, e se pudesse, teria seguido viagem até Belém, mais 5 dias, de tão confortável que este meio de transporte é.
Apesar das redes serem colocadas lado a lado, sempre se tem uns 10 cm entre cada pessoa, independentemente da posição que seu vizinho esteja na rede, garantindo o conforto geral.
Naturalmente, a população a bordo é tão variada quanto a Floresta Amazônica, encontrando-se deste turistas, índios, caboclos, madeireiros, defensores do meio ambiente, prostitutas, antropólogos, e, ceramente fantasiados entre estes, alguns traficantes que a Ploícia Federal se esforça em encontrar.
Nosso barco passou por dois "pentes finos", um sendo documentado por uma repórter argentina a serviço da Al Jazera Internacional (sim, aquela lá da terra do Bin Laden).
O rio é o ator principal desta novela de 5 dias, deslumbrando a todos com sua magnitude e força, muitas vezes em "atalhos" tão estreitos que se sente o cheiro da mata virgem, e em outras, com as margens tão distantes que quase não se vê o outro lado.
A vida animal também é abundante, com inúmeros botos, aonde se destacam os Cor-de-Rosa, um pouco maiores que o cinza, mas ainda assim menores que os seus primos da água salgada.
Por vez ou outra se vê uma Arara atravessando, uma canoa passando lentamente, choupanas solitárias no meio do nada, ribeirinhos pescando com fartura, e muitas, muitas crianças, que como qualquer criança de qualquer outro lugar do mundo, divirtem-se na água para espantar o calor úmido.
A comida a bordo, como em qualquer outra embarcação em travessia longa, é a atração mais esperada, e por aqui, não se espera muito por ela não.
O Café da Manhã é servido às 6, o Almoço às 11 e a Janta às 4 e meia da tarde. Isto faz o dia acabar cedo, normalmente a turma ainda se esforça para conseguir ver a novela, mas a maioria dorme mais cedo.
Aproveitei uma noite estrelada e fui na coberta do bar, lá no "telhado", deitei e fiquei admirando as estrelas naquela atmosfera limpa e sem luzes. Fiquei amarradão em ver o nosso Cruzeiro do Sul, gigante, me mostrando o caminho para casa.
Na última noite passamos por uma tempestade, em menos de 3 minutos o céu desabou em gotas grossas e raios azulados, a visibilidade ficou muito reduzida, o rio ficou com marolas de verdade, muita gente pegou o salva-vidas e quem não ria de nervoso, rezava.
A chegada em Manaus foi animada, bati muitas fotos com os amigos que fiz pelo trajeto, conferi de camarote o Encontro das Águas, entre o barrento Solimões e o Rio Negro, que realmente tem águas que justificam seu nome.
Acabei me juntando com um Israelense e uma Australiana, e raxamos um táxi para um Hostel.
A aventura no rio tinha acabado.
Quando iniciamos esta viagem, tínhamos alguma idéia do que aconteceria até o Panamá, depois tínhamos uma suspeita de que poderíamos ir ao Perú.
Estar em Manaus, depois de fazer mais de 2 mil kilômetros pelo Rio Amazonas, em nenhum momento da minha vida eu tinha imaginado.
Mas não são estas surpresas que dão um sentido especial às nossas vidas?
Um grande abraço a todos.
Manuel Alves