quarta-feira, 23 de setembro de 2009

XXI Refeno



O dia amanheceu quente, mesmo querendo dormir um pouco mais para aliviar o cansaço acumulado pelo longo trabalho realizado a bordo nas duas últimas semanas, não conseguíamos mais dormir. Na verdade sofríamos um misto de calor e ansiedade. Finalmente estávamos no dia da largada da XXI Regata Internacional Recife-Noronha, e ainda havia alguns detalhes a serem resolvidos. Tomamos um café da manhã sem pressa, a Rafinha deu uma organizada no interior do VelaMore (um Veleiro Multichine 34 em aço que foi nossa casa por mais de 15 dias até então) e eu e o Durval e fomos à terra com o cabo da âncora para fazer a marcação de seu comprimento.
Algum tempo depois chegaram a Rose e o Jaime, o casal proprietário do VelaMore e nossos maravilhosos anfitriões em Recife, junto com a Gaby. Traziam suas bagagens, e muito gelo que seria necessário para manter nossas bebidas geladas por mais de 300 milhas náuticas do caminho entre o Cabanga Iate Clube e Fernando de Noronha.
Algum tempo depois chegou a Bárbara com mais gelo ainda, finalizando o que seria embarcado e completando nossa tripulação.
Ao meio dia e meio já estávamos nos últimos detalhes, acompanhando um movimento frenético de mais de 60 veleiros saindo pelo estreito canal de meia maré com destino à linha de largada da Regata.
Constantemente nosso trabalho era interrompido por alguma brincadeira, por alguma piada, por algum desejo de boa travessia de algum tripulante de outro veleiro participante, que já eram bem mais que isto, eram amigos, vizinhos, cúmplices de um desejo comum a todos, realizar em segurança a travessia e chegar a um dos locais mais lindos do litoral brasileiro, o Paradisíaco Arquipélago de Fernando de Noronha.
Ume e meia da tarde, já não havia mais o que esperar, a maré continuava subindo, o Velamore já flutuava orgulhoso, soltamos as amarras e iniciamos a nossa jornada.
O Cap. Jaime me passou a responsabilidade de levar o veleiro até a largada, e feliz da vida, fui manobrando o Vela pelo canal, sendo seguido de perto por um Jeanneau 54 do nosso divertido amigo e Skipper José (Zé Caretta), com ambas tripulações descontraindo e pegando no pé uma da outra.
Duas e vinte chegamos ao Pernanbuco Iate Clube, local de espera para a chamada dos grupos de largada. Nosso grupo era o Vermelho, o primeiro e maior grupo a zarpar, então nossa espera seria bastante curta.
Três e quinze, soltamos as amarras da trainerinha que nos mantinha parados em meio à corrente que entrava forte pelo canal, e lentamente fomos seguindo para as bóias de checagem de tripulação pela Comissão de Regata, todos a bordo uniformizados com a camisa dos patrocinadores, dando tchau para a multidão na margem, felizes e ansiosos.
Eu timoneando com atenção para não fazer nenhuma besteira, o Cap. Jaime confirmou nossa tripulação, foi dado o sinal de 4 minutos, estava chegando a hora.
Três minutos, dois, um... tentei nos colocar em uma boa posição para a largada mas a raia já estava cheia, com o comando de voz dei o bordo por trás de um veleiro em Aço gigante,argentino, o Viejo Lobo, a turma toda trabalhou em conjunto, o Durval e o Jaime na Genoa, as meninas na escota da Mestra, acertamos o rumo e lentamente largamos.
Ficamos muito por dentro do canal, na sua parte mais funda e consequentemente com mais corrente contrária, e vimos a turma nos ultrapassando, mas o clima era de confraternização, não de competição. Quando conseguimos espaço orçamos e saímos do canal, ganhando mais velocidade e começando a tirar a diferença entre nossos amigos.
Nos posicionamos na frente dos concorrentes da nossa classe na largada, mas a corrente contrária nos colocou em último, tínhamos que trabalhar sério agora.
Todos a bordo na espectativa, o Cap Jaime,o Durval e eu discutindo alguma estratégia, todos tentando trimar o melhor possível as velas, e fomos tirando a distância.
Eu tentava fazer o melhor possível na Roda de Leme, assim como cada um a bordo em sua função, e estava dando resultado. Saímos do canal do Porto de Recife já bem próximos do Mahi Mahi e tirando a distância que o Minerin tinha aberto na largada.
Finalmente mar aberto, finalmente estávamos velejando no Atântico, e, o mais importante, agora tínhamos mais liberdade para escolher nosso rumo.
Tínhamos que montar uma bóia antes de podermos fazer rumo direto ao arquipélago, e vimos os veleiros maiores dando o bordo com rumo à ela, o que nos pareceu ser um pouco cedo. Decidimos por uma estratégia diferente, iríamos ganhar bastante altura para não fazer uma orça tão fechada rumo à bóia, e fomos o veleiro que mais subiu antes de rumar à bóia.
Vimos o Minerin dar o bordo bem antes, o Mahi Mahi ainda nos acompanhou por mais tempo, mas bordejou também, e nós seguimos por mais quase meia milha antes de cambarmos.
Quando finalmente o fizemos, tínhamos vento de través-alheta, a condição em que nosso veleiro mais anda, e saltamos de 3 para 6 - 6,5 nós, seguindo como um foguete azul para a bóia. Chegamos nela rapidinho, montamos com classe, mais uma vez com todos trabalhando juntos mas sem atropelos e mais uma vez nos juntamos com o pelotão.
Nossa estratégia tinha sido tão bem sucedida que perdemos de vista o Mahi Mahi e o Surazo, o veleiro chileno (segundo deste país a dar uma volta ao mundo) do Luís (primeiro chileno a dobrar o Cabo da Boa Esperança) e seus filhos Nicolas e Sebastián, trio gente finíssima que tinham se tornado grandes amigos durante nossa estadia no Cabanga, e ainda conseguimos colar bastante no Minerin.
Agora era um rumo direto até Noronha, 70 graus na bússula para ganhar alguma altura, atenção no Leme e paciência para aguentar o cotra-vento, a orça bem fechada que seria nosso destino nos próximos dias.
Seguíamos rumo ao paraíso, mas para chegar lá o caminho não seria fácil. Tínhamos vento entre 12 e 15 nós, na cara, mar picado e algumas ondas atravessadas. Lentamente a noite chegou e começamos o revezamento no leme, com cada um tentando sempre fazer o melhor possível, e estávamos andando bem.
Decidimos por turnos duplos, um no Leme e outro na regulagem das velas, duas horas cada turno, 4 de descanso, quem podia ajudava na comida ou ficava junto batendo papo e ajudando o tempo a passar, ajudando a esquecermos do extremo desconforto que é velejar em um ângulo fechado com o vento, que cria um balanço errático, chato mesmo.
No meio da primeira noite nos deparamos com a primeira calmaria, no rádio ouvíamos os veleiros mais a fretne comentando da falta de vento, 2 a 4 nós, deslocamento de um, dois nós, nada parecido com o que todos contávamos, ventos de 15 a 18 nós vindo de leste-sudeste que nos faria andar sempre acima de 5 nós, que nos faria vencer a distância entre 40 e 50 horas. Estava ficando claro a todos que a Regata seria mais demorada.
O dia amanheceu cinza, felizmente encontramos uma nuvem que se por um lado nos deixava molhados com sua chuva fina, por outro nos fornecia o vento que precisávamos para seguirmos em frente. Próximos ao meio dia, mais uma calmaria gigante.
O Cap. Jaime chamou todos ao Cockpit e fez uma breve reunião. Com a velocidade que estávamos mantendo, levaríamos 4 e não dois dias para chegar. Não tínhamos alimento suficiente para tanto tempo, tínhamos comida para mais, mas não alimento. Poderíamos seguir apenas na vela e não morreríamos de fome, mas seria um longo período comendo Miojo de copinho ou poderíamos ligar o motor, ser desclassificados da regata e chegar mais cedo. Decidimos esperar mais uma hora para ver o que aconteceria com o vento. Ele acabou chegando, mais uma vez com pouca intensidade, mas estávamos seguindo ao nosso destino mais uma vez, e ainda tínhamos boas chances de conseguir um lugar no pódium. No fim da tarde mais outra calmaria, esta ainda maior que as anteriores. Não havia mais o que ser feito, tínhamos que ligar o motor para tentarmos chegar, ou levaríamos 5 dias para fazer o percurso estimado em 2.
Com certa tristeza demos adeus à Regata, mas nosso objetivo principal era chegar em Noronha, e era nisto que estávamos focados.
Cerca de uma hora e meia após começarmos a motorar, ouvimos um barulho estranho vindo do motor, desligamos ele e o Jaime foi conferir.
Voltou da casa de máquinas com uma cara triste, chamou todos ao Cockpit para mais uma reunião... Era a Buxa do eixo do hélice, tinha se quebrado, não pódíamos mais contar com a ajuda do motor, o vento estava próximo do zero, votamos e por unanimidade decidimos pela precaução. Decidimos voltar para Recife.
Em quase 30 horas tínhamos feito menos de 90 milhas náuticas, quando deveríamos ter feito mais de 140. Era isto, é assim que se deve proceder no mar, a precaução tem sempre que ser a prioridade, e nisto o Cap. Jaime foi exemplar.
Demos o bordo, proa para Recife, o vento já não era mais contra, e mesmo fraco, nos empurrava de volta, acabou-se desconforto físico, mas agora tínhamos que lidar com a postergação do sonho de chegar a Noronha velejando.
Fizemos um feijão quentinho para levantar o astral a bordo, ligamos o piloto automático, a noite surgiu estrelada e lentamente voltamos.
Acabamos chegando ao Pernambuco Iate Clube no meio da tarde seguinte.
Fomos vencidos pela falta de vento e por um problema mecânico que ninguém poderia prever anteriormente.
Talvez se tivéssemos largado por fora do canal teríamos largado melhor.
Talvez se não tivéssemos mantido o rumo leste ao montarmos a bóia tivéssemos encontrado mehores ventos mais afastados da terra.
Talvez se tivéssemos carregado mais o barco com alimentos poderíamos ter esperado o vento entrar.
Talvez...talvez....
Mas a vida não é feita de "Talvez" e de "Se", a vida é feita de FATOS.
Os fatos eram de que o vento não apareceu, a comida era suficiente para nossos planos e fizemos o melhor possível na nossa estratégia.
E não podemos reclamar de tudo que aconteceu.
Fomos recebidos de forma maravilhosa por uma família MARAVILHOSA, a Rose e o Jaime, e as meninas Gabriela e Bárbara.
O Fato é que temos um grande amigo que nos conheceu através do nosso Blog e foi incansável na trimagem das velas, e tem se mostrado uma pessoa maravilhosa em todos os sentidos, o Durval.
O Fato é que fizemos vários amigos, conhecemos pessoas que têm o mesmo sonho que nós, que estão vivedo a mesma vida que nós, e, por incrível que possa parecer, não são poucos e são brasileiros, nascidos em uma terra em que decidir viver no mar é como decidir ser astronauta.
O Fato é que tive a oportunidade de ajudar a montar o veleiro e testar tudo o que aprendemos nos últimos anos, graças a uma incondicional confiança em mim depositada pelo Cap Jaime.
O Fato é que a Rafa fez o turno de igual para igual com os demais e teve mais uma constatação da sua qualidade marinheira.
E, principalmente, de que Noronha continuará lá, bem como as amizades que fizemos continuarão vivas, continuaremos nos corações daqueles que cativamos, e levaremos nossos corações ainda mais carregados de pessoas que nos cativaram.
E, continuamos vivos, felizes, apaixonados pela vida, e sedentos por mais aprendizagem e aventura!
É isto que levaremos na lembrança.
Tenho que ir, pois estamos indo a Porto de Galinhas curtir as belezas do nordeste.
Um abraço a todos
Mané e Rafa

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Em Recife para a Refeno

Quem não gosta de matar a saudade da família e da comidinha da mãe não é mesmo…
Pois é, minha estadia no sul foi a das melhores, na primeira semana andei meio aérea, também depois de tudo o que nos aconteceu…leva um tempo para aterrizar… depois entrei novamente no clima de “cidade grande “ e começei a resolver nossos assuntos futuros, renovar o aluguel do apto, matar a saudade dos amigos e deixar tudo certo para a inscrição da Refeno.
Depois da viagem do Mané pelo Rio Amazonas, ele ficou mais quatro dias em Manaus e em seguida seguiu para Recife onde iria encontrar o VELA MORE no Cabanga Yatch Club para ajudar na finalização do veleiro para a regata.
Eu queria logo ir para Recife, fazia três semanas que tínhamos nos dividido, a saudade era grande, decidi ir logo…resolvi tudo em Floripa, deixei o regime de engorda (rsrsrs) e adiantei minha passagem.
Cheguei em Recife, a Rose foi me buscar no aeroporto, e mesmo somente nos conhecendo por meio da internet, nos reconhecemos logo de primeira !!
Chegando no Cabanga, quando salto do carro vejo o Mané remando no botinho indo me buscar do outro lado da margem…ele abanava para mim com o remo, e eu corri na direção dele para o trapiche, ficamos horas abraçados: estamos juntos outra vez e no local combinado, deu certo!!
O Jaime e a Rose, proprietários do VELA MORE nos receberam muito bem, um casal de super alto astral, que nos deu a oportunidade de participar da Refeno e que nos conquistou com este sutaque gostoso dos recifences…“ôxiii“…“mai minino“…“apoi e prooooonto“…e suas filhas Bárbara e Gabriela, muito queridas, que incansavelmente nos ajudavam nas voltas de carro pela cidade…“mai mainha“…
Eles disponibilizaram o veleiro para ficarmos a bordo durante esta semana que antecede a regata, e nos unimos para deixar o veleiro todo certinho pra fazer bonito! Claro a idéia é vencer, mais o que vale mesmo é o espírito esportivo, e será um prazer conviver a bordo com estas pessoas maravilhosas que acabamos de conhecer e que já tornaram nossos amigos. Para nós, já ganhamos, poder estar aqui e conhecer tantas pessoas que fazem parte da elite de vela do Brasil está sendo uma alegria, se troca muita experiência e também se diverte muito, uma coisa também já se sabe, já ganhamos na classe do veleiro com mais tripulantes mulheres!!
Os dias de trabalho foram intensos, a verdade é que a lista de coisas a fazer nunca acaba, mas aqui tem que acabar, então tentamos conciliar o trabalho durante o dia, com as festas durante a noite. E por falar em festas…nem chegamos ainda em Noronha e o clima entre os velejadores já é assim: de festa!
Toda noite é um churrasco, uma cervejada…uma macaxeira…e é entre elas é que estamos tendo o prazer de conhecer tantas pessoas especiais, dentre eles o nosso amigo Durval que até então era nosso amigo virtual, sempre nos incentivando com seus comentários em nosso blog, e agora estamos aqui juntos ao vivo e a cores…e o melhor de tudo…tripulantes do mesmo veleiro, isso realmente é incrível !! Só faltou mesmo a Silvaninha !!!
Bom…amanhã será a largada e conseguimos finalmente atualizar o blog, pedimos desculpas mas realmente foram dias bem atarefados…mas não podíamos chegar em Noronha sem ter eu saído de Floripa e sem Mané ter saído de Manaus (rsrsrs).
Abraço a todos, bons ventos e nos vemos em Fernando de Noronha !

quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Vídeo do Rio Amazonas



Vídeo sobre a etapa entre Iquitos, na Amazõnia Peruana e Manaus.
Mais de 2.000km pelo maior e mais caudaloso rio do mundo.
Espero que gostem das magens.
Obrigado por visitarem o Duplaventura.
Abraço
Manuel

sábado, 5 de setembro de 2009

Num Mar de Água Doce


Realmente, a aventura ainda não acabou.
Como a Rafa comentou no último Post, a Dupla teve que se separar, momentaneamente, é lógico.
Enquanto ela voltou à Floripa via Chile, eu voltei ao Brasil via Amazônia.
Nos despedimos com os corações tristes em Lima. Nossos aviões foram para a pista um atrás do outro, mas com destinos opostos, ela rumo ao sul, eu, ao norte.
Durante os quase 5 meses em que estivemos viajando juntos, conhecemos e fomos cativados por várias pessoas, que muito nos ensinaram e certamente, alguma coisa também aprenderam conosco. Infelizmente, para todas estas pessoas, chegou um momento de dizermos adeus.
Porém, agora este Adeus era diferente. Durante todo este período, nos despedíamos dos outros, muitas vezes com lágrimas nos olhos, com o coração cortado pela tristeza do momento, tentando adiar ao máximo, tentando manter os amigos próximos o quanto pudéssemos, mas o Adeus sempre vinha, porém sempre tínhamos um ao outro para consolar esta tristeza.
Sempre voltávamos ao nosso quarto, cabine ou barraca juntos, normalmente de mãos dadas, tristes, mas contando com o sorriso do outro como conforto, no ombro amado como apoio, na sinceridade do nosso amor como estímulo para seguirmos em frente, e continuarmos conhecendo novas pessoas especiais que nos levariam a novas despedidas tristes.
Mas o que fazer quando quem se vai é a pessoa amada?
Eu sempre viajei sozinho, sempre contei comigo apenas, sempre tive como companheira minha prancha, minha capa de prancha como conforto, minha mochila como apoio, minha barraca como casa. Nunca pensei que seria tão difícil voltar a estar sozinho na estrada.
Nos quase 10 anos em que convivo com esta pessoa maravilhosa que aceitou ser minha parceira eterna, perdi esta "manha" de me sentir bem rodando o mundo sozinho, mas algo aconteceu, não sou mais assim.
De uma forma que não consigo explicar, ela me completa, e assim, com o coração partido, e espiritualmente "incompleto", eu teria que continuar a aventura.
E desta vez seria aventura de verdade.
Saí de Lima com destino à Iquitos, capital da Amazônia Peruana, uma ilha no meio da Floresta Amazônica, com acesso apenas por barco ou avião.
Vôo tranquilo, no início sobre a Cordilheira Branca, com seus picos nevados, depois sobre uma imensa planície que inicia-se ali, no nordeste do Perú e segue até o Atlântico, sendo drenada por inúmeros rios que são os tributários do mais extenso e mais caudaloso rio do mundo, o Rio Amazonas.
Por este maravilhoso rio é que eu, como viajante solitário, teria que me reencontrar.
Logo na chegada à Iquitos, levei um choque com o incrível calor úmido da região. Enquanto sentia o calor escorrer pelo corpo e encharcar as roupas como apenas no México eu tinha sentido, parti atrás de um táxi disposto a não me meter a faca por ser turista. Todos pediam entre 20 e 25 soles, mas acabei fechando um por 8 soles, que ainda me levou à agência de passagens para o barco que me levaria à Santa Rosa, já na fronteira com o Brasil.
Iquitos é uma cidade relativamente grande, movida pelo Petróleo e pelo minério, mas a cada dia o Tráfico de Cocaína tem mais espaço em sua economia.
Acabei achando um Hostel por 15 soles (5 dólares) com Tv a Cabo e chuveiro decente.
Dei uma volta pela cidade mas acabei retornando logo ao meu quarto, pois o calor realmente estava demasiado.
No dia seguinte, cheguei ao Porto de Iquitos ainda a noite, para conseguir um bom lugar no Rápido Challenger Rápido por ser realmente veloz e Challenger, acredito que em homenagem para aquela nave espacial que explodiu no lançamento.
Era uma lancha de alumínio, com cerca de 30 pés (10 metros), 18 lugares, dois pilotos e um motor 225 hp que fez ela vencer quase 600km em 9 horas.
Experiência muito bacana, percorrer o rio lisinho a grande velocidade, vendo os povoados e choupanas passando rápido pela janela, observando os rios que seguidamente se juntam a este que no Perú é chamado Maranhón, depois Amazonas, até chegar ao Brasil e mudar de nome para Solimões, voltando a ser Amazonas apenas após Manaus, quando se junta ao Rio Negro.
Chegamos à Santa Rosa às 4 da tarde, fui carimbar meu passaporte com a saída do Perú e dei uma rápida visita nesta pobríssima cidade que muito lembrou-me aqueles filmes do Rambo no Vietnã dos anos 80, com barcos casa, choupanas de palha, palafitas, pontes suspensas sobre a lama que abundava por todos os lados. Realmente, estava em um dos lugares mais miseráveis que tive o prazer de pisar nesta vida.
Atravessei o rio mais uma vez e cheguei, após quase 5 meses, no Brasil.
Tabatinga, nossa porta de entrada pelo Alto Solimões, é uma cidade pacata e amigável, dominada pelas motos (7 paracada 10 habitantes), pelo forró e pelo Calypso.
Uma das maiores portas de entrada de Cocaína no Brasil, Tabatinga já teve um Delegado Federal que em entrevista mandou a "Pérola": "Em Tabatinga, quem não é traficante, vai ser!", provavelmente deve ter virado comida de jacaré.
Consegui um hostel por 15 reais, em quarto coletivo, mas estava vazio, o que me garantiu certa segurança, pois barato assim, seria grande a chance de ter alguns colegas de quarto meio suspeitos.
Passei 4 dias em Tabatinga, eventualmente caminhando pela Avenida da Amizade, que liga Tabatinga a Letícia, na Colômbia, que é bem mais segura, limpa e desenvolvida que Tabatinga. O bacana é que para ir à Colômbia e voltar ao Brasil, vai de moto, carro ou a pé mesmo, sem ter que mostrar nenhum documento ou pedir autorização.
No penúltimo dia de estadia, comprei minha passagem para o barco até Manaus, e quando voltei ao meu quarto, fui surpreendido por dois nativos da Guiana, em atitudes suspeitas, com perguntas ainda mais suspeitas, que me fizeram mudar de hostel em menos de 10 minutos. Com mochila cheia, computador, etc, não achei uma boa pagar para ver, mudei de hostel. Melhor pagar 10 reais a mais e dormir em segurança.
A viagem entre Tabatinga e Manaus, aproximadamente 1600km de rio, é feita em barcos chamados Recreio, aqueles de 3 andares, em que todos dormem em redes, e dura 5 dias e quatro noites descendo o rio e 8 dias e 7 noites subindo contra a corrente.
O barco que escolhi chamava-se Oliveira, estava extremamente bem mantido e fornecia comida de primeiríssima qualidade (pelo menos para o meu estômago).
Além de redes, pode-se dormir em camarotes com ar condicionado, mas aí perde-se muito do seu astral e um bocado de dinheiro.
Fui na rede mesmo, e se pudesse, teria seguido viagem até Belém, mais 5 dias, de tão confortável que este meio de transporte é.
Apesar das redes serem colocadas lado a lado, sempre se tem uns 10 cm entre cada pessoa, independentemente da posição que seu vizinho esteja na rede, garantindo o conforto geral.
Naturalmente, a população a bordo é tão variada quanto a Floresta Amazônica, encontrando-se deste turistas, índios, caboclos, madeireiros, defensores do meio ambiente, prostitutas, antropólogos, e, ceramente fantasiados entre estes, alguns traficantes que a Ploícia Federal se esforça em encontrar.
Nosso barco passou por dois "pentes finos", um sendo documentado por uma repórter argentina a serviço da Al Jazera Internacional (sim, aquela lá da terra do Bin Laden).
O rio é o ator principal desta novela de 5 dias, deslumbrando a todos com sua magnitude e força, muitas vezes em "atalhos" tão estreitos que se sente o cheiro da mata virgem, e em outras, com as margens tão distantes que quase não se vê o outro lado.
A vida animal também é abundante, com inúmeros botos, aonde se destacam os Cor-de-Rosa, um pouco maiores que o cinza, mas ainda assim menores que os seus primos da água salgada.
Por vez ou outra se vê uma Arara atravessando, uma canoa passando lentamente, choupanas solitárias no meio do nada, ribeirinhos pescando com fartura, e muitas, muitas crianças, que como qualquer criança de qualquer outro lugar do mundo, divirtem-se na água para espantar o calor úmido.
A comida a bordo, como em qualquer outra embarcação em travessia longa, é a atração mais esperada, e por aqui, não se espera muito por ela não.
O Café da Manhã é servido às 6, o Almoço às 11 e a Janta às 4 e meia da tarde. Isto faz o dia acabar cedo, normalmente a turma ainda se esforça para conseguir ver a novela, mas a maioria dorme mais cedo.
Aproveitei uma noite estrelada e fui na coberta do bar, lá no "telhado", deitei e fiquei admirando as estrelas naquela atmosfera limpa e sem luzes. Fiquei amarradão em ver o nosso Cruzeiro do Sul, gigante, me mostrando o caminho para casa.
Na última noite passamos por uma tempestade, em menos de 3 minutos o céu desabou em gotas grossas e raios azulados, a visibilidade ficou muito reduzida, o rio ficou com marolas de verdade, muita gente pegou o salva-vidas e quem não ria de nervoso, rezava.
A chegada em Manaus foi animada, bati muitas fotos com os amigos que fiz pelo trajeto, conferi de camarote o Encontro das Águas, entre o barrento Solimões e o Rio Negro, que realmente tem águas que justificam seu nome.
Acabei me juntando com um Israelense e uma Australiana, e raxamos um táxi para um Hostel.
A aventura no rio tinha acabado.
Quando iniciamos esta viagem, tínhamos alguma idéia do que aconteceria até o Panamá, depois tínhamos uma suspeita de que poderíamos ir ao Perú.
Estar em Manaus, depois de fazer mais de 2 mil kilômetros pelo Rio Amazonas, em nenhum momento da minha vida eu tinha imaginado.
Mas não são estas surpresas que dão um sentido especial às nossas vidas?
Um grande abraço a todos.
Manuel Alves