Olá pessoal
Chegamos ao Arquipélago dos Açores ao amanhecer do dia 25, e vou tentar passar para vocês como foi a nossa travessia entre Bermuda e Faial (1980 Milhas Náuticas -NM).
Ainda quando estávamos em Cuba recebemos um email do Boss informando que estaria nos Açores no dia 22 de maio. Tínhamos aproximadamente 2 meses para fazer 3 mil milhas náuticas, além da manutenção do veleiro. Pode parecer bastante tempo, mas quando estamos viajando pelo mar, temos que contar com as "janelas" de tempo favoráveis para cada etapa.
Após aquela travessia dura que tivemos em Cuba, o problema sério com a mangueira do sistema refrigeração do motor no meio da noite entre Cuba e a Flórida, uma pizza de Lagosta em Bahamas e quase 20 dias "no seco" fazendo milagres nos mais variados sistema do barco em Fort Lauderdale, nosso tempo estava passando mais rápido do que imaginávamos.
Na primeira oportunidade de tempo bom zarpamos de Fort Lauderdale para Sand Cay, no norte do banco das Bahamas, um lugar lindo mas que não tivemos tempo para curtir, acabamos ficando apenas dois dias por lá, aproveitando a "janela de tempo bom" continuamos até Bermuda. O diário desta travessia esta em um post da Rafa mais antigo.
Em Bermuda também não tivemos muito tempo para "vadiar", tivemos 3 dias de trabalho, brincando de Laboratório de Química para fazer a limpeza da membrana do Watermaker, além do polimento do casco, e mais inúmeros projetos menores que consomem um tempo inacreditável e um dia livre muito bem aproveitado em Horse Shoe Bay que compensou quase todo o tempo gasto trabalhando até então.
Como vocês já devem ter notado, estávamos ficando meio paranóicos com o "Tempo" (do calendário). É incrível como a dedicação ao veleiro é constante. Em 2008, quando fizemos a travessia entre o Panamá e Marquesas, a Rafa ficou abismada como os velejadores passam pouco tempo curtindo os lugares que chegam e muito tempo tentando matar a "To Do List" (lista de projetos no barco) e este ano realmente estávamos sentindo na pele a verdade desta equação. Desde que chegamos a Cuba eu entrei no mar apenas duas vezes, uma em Cuba para limpar o fundo do barco (curti o mergulho, mas era mais um projeto para o barco) e uma em Bahamas, aonde eu e a Rafa finalmente tiramos um tempo para nós e relaxamos na praia por uma tarde. Mais um dia livre em Horse Shoe Bay em Bermuda, mais 3 dias em Orlando, totalizamos menos de cinco dias livres em quase 60 a bordo. Ainda bem que amamos velejar!!!
Mais uma vez chegou uma "janela de tempo" favorável e era hora de zarpar. Saímos ao amanhecer de uma quita feira (dia 13) com bom vento noroeste, favorável, sol e pouca onda.
Os velejadores possuem uma Bíblia, se chama World Cruizing Guide (WCG), escrito por Jimmy Cornell, que expõe as melhores rotas e épocas para as mais variadas travessia pelo mundo. O WCG mostrava que estávamos na época correta para a travessia, e que o mais correto é sair de Bermuda, seguir rumo Norte-Nordeste até 38 a 40 graus Norte, depois seguir rumo leste aproveitando a carona da Gulf Stream (corrente favorável com até dois nós) e depois, mais perto dos Açores, voltar ao 38 graus em que se localiza o Arquipélago. Com isto ganha-se corrente e vento favorável e escapa da alta pressão dos Açores, que cria enormes zonas sem vento que obrigam os velejadores a usarem o "vento de porão", ligarem o motor e acabar com o clima bacana da velejada.
A janela era favorável para os dois primeiros dias, mas quando saímos sabíamos que não poderíamos seguir a rota proposta pelo WCG porque já havia uma frente poderosa saindo da costa norte dos EUA, com ventos de mais de 40 nós e ondas entre 6 e 9 metros, o que nos obrigou a manter a rota quase leste puro, não podendo passar dos 33 graus norte, porque o limite da frente estava nos 34. Os primeiros 3 ou 4 dias mantivemos esta rota, sempre com vento rodando pela popa, entre noroeste e sudoeste, quando muito chegava no sul criando um través de primeira e o barco andando super bem. Por um longo período velejamos por um mar mais "sujo", com muita alga de cor amarelada, era o famoso "Mar de Sargaço", mas depois foi só o azul inexplicável que só as águas com mais de 1000 metros de profundidade conseguem produzir.
Como quando saímos tínhamos a previsão de 5 dias, e a frente tinha se formado a 2 dias, imaginávamos que depois do terceiro dia poderíamos começar a ganhar altura, seguindo um rumo mais direto e fugir da alta dos Açores, mas os Grib Files (arquivos de previsão de tempo que recebemos através do telefone via satélite) que chegaram mostraram que outra frente, mais forte que a primeira vinha bombando ainda mais ao sul, o que não só nos impediu de subir, mas nos fez descer um pouco mais e nos brindou com ventos moderados e ondas de bom tamanho, bem espaçadas e que realmente aumentaram nossa saudade do Surf.
Finalmente, na metade da distância, a frente dissipou e colocamos a proa reta para o Arquipélago, lentamente ganhando grau após grau rumo norte, ajudados pelo vento mais virado para o quadrate sul, vendo a distância diminuir e o frio aumentar.
A rotina a bordo depois de uma semana velejando direto vai ficando cada vez mais preguiçosa, o tempo passava lentamente entre 5 refeições diárias, leituras de livros e revistas, música e filmes. A vida marinha nos primeiros dias não marcou muita presença, mas na segunda metade da viagem veio com força total. Todos os dias e noites éramos escoltados por bandos de Golfinhos, pássaros e incontáveis "Caravelas Portuguesas", aquelas água-vivas com uma bolsa flutuante azul ou roxa que nos apavoram durante o verão com seu tentáculos longos procurando algum peixe.
A umas 800 NM de Faial, nosso destino, o vento começou a morrer. Começou diminuindo de intensidade, antes sempre entre os 15 e 20 nós, depois descendo para 10 a 15, virando para empopada. Armamos o Pau de Spinakker e velejamos um dia em "Asa de Pombo", depois ele rodou para sul novamente e mais uma noite de boa velejada.
No outro dia ele morreu de vez. Mesmo com todo o nosso esforço para ganhar altura e fugir da alta pressão, acabamos em um buraco de vento, o mar achatou, ficou com aspecto de azeite e o motor entrou em ação. Eventualmente entrava algum ventinho e aproveitávmos para dar um descanço para a máquina e curtíamos o prazer das velas cheias mais uma vez.
O tempo seguia lentamente, milha após milha nos apoximávamos do destino, revezando entre ventos fracos e motoradas longas, seguíamos nosso caminho. A vida ficou ainda mais tranquila, mar de azeite, azul, liso, lindo, nenhum barco ou navio nas proximidades por dias. Dava até para esquecer que estávamos em um barco.
No meio de uma tarde assim, tranquila, motor ligado, só a vela mestra içada para manter o equilíbrio do barco, a Rafa dormindo no sofá do salão, eu e o Cameron lendo livros no cockpit e nos revezando em rápidas checagens a cada 10 ou 15 minutos, paz total... de repente sentimos um "clank", a sensação o barco ter passado por um quebra-molas e um barulho de pancada não muito fora do padrão. O Cameron olha para mim e pergunta... What was that? eu espondo... A Wave... mas aí lembro que as ondas vinham de norte-sul e o barco balançou de sul-norte, levantei e fui conferir pensando que podia ser algum lixo de maior tamanho, ele seguiu junto para a popa. Quando cheguei lá, olhei direto para a popa, pois imaginava ver alguma coisa atrás do veleiro... nada... quando eu olho para o lado, uma enorma mancha negra emerge do lado do barco, a distância de "um cuspe" uma enorme baleia brota do nada!!! Olho para o Cameron, ele olhando para a Popa como eu tinha acabado de fazer e falo... Whaleeeeeee!!!!!! Ela sobe lentamente, o tempo passa mais lentamente ainda, ela vira o corpo, olho direto no olho dela, naquela bola preta, ela olhando para mim tipo "quequetutáfazendoaqui?", vira de lado como fazendo corpo mole, mergulha, e eu com as pernas moles do susto. A Rafinha tinha acabado de chegar, não a vê, eu e o Cameron chocados. Ela não entendeu nada, só entende quando a baleia volta à superfície, desta vez mais longe (uns 15 metros) e dá o clássico mergulho colocando seu rabo para cima. Depois de debater o assunto chegamos à conclusão de que não atropelamos a Baleia, ela é que veio nos conferir, pois ela seguia o mesmo rumo e velocidade do veleiro. Talvez por termos a tinta do fundo de cor branca ela possa ter imaginado ter visto a barriga de outra Baleia quando olhou do fundo do mar. Só não entendemos como ela fez contato mesmo quando tínhamos o motor ligado, o que normalmente espanta a vida marinha. Estávamos a 580NM dos Açores.
A menos de 3 dias das Ilhas encontramos um Catamarã em rumo contrário, faziam dias que estávamos sozinhos no mar, fizemos contato, eles vinham da Horta no Faial, iam a Bermuda, exata rota contrária de nós, nos informaram que o tempo nas ilhas finalmente tinha melhorado depois de mais de 20 dias de chuva. Boas notícias!!!
Os últimos dois dias caímos em outro "buraco de vento" e o motor voltou a funcionar. O vento diminuiu tanto que uma noite criou um cenário mágico. Dava para ver a Lua e as estrelas refletidas na superfície do mar. Alucinante!!!
Na última noite, a menos de 100 milhas da Horta, o movimento de barcos aumentou bastante, passamos bem perto de uma luz Strobo indicando um equipamento de pesca, vimos luzes de outros veleiros. Após a janta assistimos o filme Pearl Harbour, não por ser inédito para nós, mas por ser o mais longo a bordo, ajudou a matar a ansiedade em 3 horas. A Rafa foi a primeira a ver as luzes da Ilha do Faial, meia noite e meia. Revezamos os turnos, um mais aguniado que o outro para chegar e quando o sol nasceu estávamos os 3 de prontidão para ver as Ilhas.
As 8:20 da manhã atracamos o barco ao lado de outros 2 veleiros no cais da Aduana da Marina da Horta. Tínhamos chego!!! 12 dias... 12 lindos dias!!!
A Rafa e o Cameron realizadíssimos, eu mais ainda.
A 12 anos atrás estive aqui, na mesma Marina, mas cheguei por avião atrás das raízes do povo que colonizou a Ilha de Santa Catarina e de um Surf Spot lendário o mitológico.
Me apaixonei por estas ilhas e prometi um dia voltar...
A 12 anos atrás nasceu um sonho que mudou a minha vida completamente. Que me levou a assumir caminhos não aceitos como "normais" por muitos, um sonho pessoal, um caminho extremamente longo e mais pessoal ainda que me fez lutar a cada dia para realizar...
Sonhei que um dia chegaria nesta Marina, de veleiro e com a Mulher da minha Vida!!!
12 anos... 12 dias...
Por quanto Tempo você está disposto a lutar pelo seu sonho???
Sim, vale a pena sonhar!!!
Obrigado Meu Deus!!!
Manuel Alves
7 comentários:
Meus queridos mais uma etapa vencida... mais um sonho realizado.... e eu estou sempre realizando os meus, de ver meus
filhos felizes!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
com amor
mãe e ninha
Caros, sou jornalista em São Miguel, Açores, e gostaria de falar com algum de vós. O meu contacto é o 296 20 10 63, para o jornal Correio dos Açores. Agradeço logo que possam.
Ana Coelho
"O Mane que festa e essa, o Mane como e teu nome, meu nome e mare alta, e mare baixa...." nada melhor do que um belo Daza, da ilha, nosso. Cara, ja se passou um ano desde que cheguei aqui, um ano, dos cerca de tres que tive pedalando por ai. Hoje me emociono mais do que antes, algo indescritivel, inacreditavel. Me pego chorando varias vezes. Mas nao de tristeza nao, de satisfacao, de realizacao, de emocao, de intensidade... Foram anos tao intensos, que as palavras sempre faro falta. Era um sonho o meu tambem, desde pequeno, conhecer a grande Mama. E de repente o sonho virou realidade. Loucura? Depende do ponto de vista. Se loucura e acreditar que tudo e possivel, entao sem sombra de duvidas, o sanatorio ja me persegue a tempos. Cara continue assim, louco. Normalidade e para os outros que nao tem tempo...
Abraco sincero
Narbal
Mane... Todas as emoções num texto!
12 dias, 12 anos... Nossa! Me arrepiei... que coisa linda!
"Sonhei que um dia chegaria nesta Marina, de veleiro e com a Mulher da minha Vida!!!"
Depois disso não tem nem o que falar... Emocionante!
Tô aqui sorrindo, imaginando o impacto dessa chegada pra vcs dois. É uma conquista, como dissesse no texto, não só de 12 dias, mas da vida que vcs sonharam. Vcs chegaram lá!!!
Vcs chegaram lá!
Sintam-se abraçados bem forte! :) Parabéns pela garra, parabéns por correrem atrás! E isso é só o começo! :)
Que a vida seja sempre assim, baleias fazendo companhia, um mar de estrelas à noite e o mundo dando boas vindas em cada marina...
Beijo gigante e emocionado!
Maneeeeeeeeeeee irmaooooooooooooooooo! Que coisa mais linda. Posso reproduzir no nosso site?
o melhor foi ter te conhecido duas vezes. hahahha
Outro irmão no mar! Que maximo!
Estou louca p conhecer a Rafa. Um beijo enorme do Caribe p vcs
Queridos!!!!!
Curtam muito! (pelo jeito tão curtindo mesmo né)...
Mais uma etapa.... coisa linda!!!!
Saudades desse casal que adoro!
Beijossss
CONGRATULATIONS MY BROTHER!!!! RAFA and CAP CAMERON!!!!
Fantástica a viagem, e mais ainda a realização deste projeto.
Estamos aqui na expectativa da chegada da Luiza...nosso sonho e alegria agora!
Fiquem bem.
Abração
Rodrigo (Boza), Lu e Luiza
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