A travessia entre Portimão e Ibiza foi especial em vários sentidos.
Apesar de ser relativamente curta (aproximadamente 600 NM), esta travessia teria como ingredientes a passagem do Estreito de Gibraltar (entre a Europa e a África), a chegada ao Mediterrâneo, a passagem pelo Meridiano de Greenwich (0 graus leste-oeste), mais dois países, mais um tripulante (meu amigo Miguel, português) e a chegada à Meca das festas - Ibiza.
Saímos de Portimão com o padrão normal de ventos locais (nordeste brando pela manhã girando para oeste moderado a tarde, e sem vento a noite), o que nos obrigou a motorar bastante. Nada que alterasse muito o bom astral a bordo. Quando nos aproximávamos do Estreito, já bastante ocupados com as linhas de separação de tráfego que regulamenta o trânsito de embarcações que entram e saem do Mediterrâneo pelo estreito canal de apenas 8 NM entre a Península Ibérica e a Europa, tivemos o primeiro encontro com os ventos do Mediterrâneo que aperecem do nada sem dó nem piedade.
Eu estava de plantão, estávamos com meia Vela Grande içada, Working Jib, orça fechada para fazer ângulo e não entrar muito no canal para não ter problemas com os navios. 12 a 15 nós de vento, solzinho agradável e vento quentinho. A Rafa na cozinha, o Cameron e o Mig dando um descanso. O vento começa a acelerar, monitoro por uns 5 minutos. Passou para 20 com rajadas perto dos 25. Desco para chamar o Cameron para fazermos as manobras para rizar a Grande um pouco mais "Just in Case". Quado volto ao cockpit já tínhamos rajadas de 30 nós. Motor funcionando, Rafinha no leme. Eu e o Cameron enrolamos a Jib, pensamos em rizar ainda mais a Grande, uma rajada perto dos 40 nós tirou nossa dúvida. Seguimos em frente sem velas, só no motor, contra o vento que seguia ganhando força. Não tínhamos como seguir ate Gibraltar, nossa escala programada. Buscamos abrigo em Tarifa, levando quase 3 horas para fazer pouco menos de 4 NM. Seguimos lado a lado com outros 3 monocascos e um catamarã, lutando contra ondas e ventos que chegaram ao máximo de 56 nós. O piloto Automático não deu conta de segurar o barco e tínhamos que nos revezar no leme tomando uma surra das ondas. Ancoramos bem (fundo de areia 8x1 correntexprofundidade), com os ventos se mantendo acima dos 40 nós até a madrugada. Na alvorada seguinte seguimos viagem. Os ventos se mantinham acima dos 25 nós, mas foi tranquilo chegarmos em Gibraltar. Muito bom entrar nesta baía histórica, com Gibraltar pertencendo ao Reino Unido e La Línea na Espanha lado a lado.
Reabastecemos e fomos dar uma volta pela cidade. Decidimos seguir viagem, dobramos Gibraltar e entramos definitivamente no Mediterrâneo.
Fomos costeando, para termos uma viagem mais visual e podermos nos proteger caso outro "Levante" (nome do vento oeste que nos atingiu) resolvesse aparecer. Viagem tranquila, passamos por vários navios de cruzeiro, barcos de pesca, um Pombo Uorreio pegou carona por um tempo, cruzamos a linha do Meridiano de Greenwich (corta a terra verticalmente entre leste e oeste) aonde aproveitamos para fazer uma bagunça mas nada tão dramático como a que fizemos ano passado quando cruzamos a Linha do Equador (corta a Terra horizontalmente entre norte e sul), boa comida, bebidas variadas, musica de primeira a longas conversas ajudavam a passar o tempo.
No fim de tarde do quinto dia, sonzeira rolando, céu avermelhado, um grupo de golfinhos chama a nossa atenção. Quando a turma chega na proa, a Rafinha berra - Baleiaaaaa.... só deu tempo de mudar a rota 30 graus e passar raspando por um gupo de umas 4 baleias, estilo Baleia Piloto.
No dia seguinte fui acordado pelo Mig, que tinha acabado seu turno, dizendo que já conseguia ver as ilhas.
Chegamos em Formentera, uma ilha menor que Ibiza, ao sul desta.
Formentera é uma maravilha natural. Relativamente baixa, a ilha é toda arenosa, areias muito brancas, muitas vezes com afloramentos de grãos rosa, com uma água extremamente transparente para o mergulho, boas ancoragens normalmente com fundo arenoso em frente a praias lotadas de jovens do mundo todo. Beach Bars garantem o petisco da rapaziada, mas com a cerveja a 6 Euros a Rafa acabou fazendo uma garrafa de litro e meio de Caipirinha e eu aproveitei o balde do barco para improvisar a geladeira para 4 ou 9 long necks.
O Cameron e o Mig estavam como criança em dia de festa, animados pelas frequentadoras do local que desfilavam sorridentes com os melões ao vento.
Decidimos dormir em Ibiza, aonde iríamos nos encontrar com o Jô, amigo do Mário (qual Mário:
http://www.mariobelem.com/), que é melhor amigo do Mig, que seria nosso anfitrião na Ilha.
Realmente chegar em Ibiza conhecendo alguém do local é especial. Acabamos conhecendo locais ainda não tão turísticos, aprendemos sobre a história local e descobrimos onde comprar as coisas por preços razoáveis. Em Ibiza não poderíamos ter encontrado alguém melhor que o Jô, pessoa de coração enorme, que muito bem nos recebeu. Esperamos um dia poder fazer o mesmo por ele em Floripa.
Ibiza durante o dia é festa nas praias. À noite, festa nos Clubs.
Multidões do mundo todo são ataídas por algumas das mais belas praias do mundo, algumas das melhores Discos do mundo e os melhores DJ´s do mundo. Tanta coisa boa assim junta num mesmo lugar custa caro, no Mediterrâneo multiplique este valor por 3. A solução foi tentar sempre comer no barco, aproveitar os fins de tarde nos Beach Bars e ir para a night apenas após um longo "esquenta" no barco, sempre acompanhados pela "lancheira" na bolsa da Rafinha.
Assistimos a final do Mundial de Futebol em um Beach Bar muito bacana, com estátuas em tamanho real de elefantes em granito branco, e vários telões. Não estava cheio, mas a multidão estava inflamada. Caipirinha a 14 euros, pedimos uma no primeiro tempo e outra no segundo tempo para não dar bandeira, o resto foi a garrafa escondida com a receita que não sei aonde a Rafa conseguiu, mas que produziu litro e meio do néctar. Espanha foi campeã, então imaginem como ficou Ibiza.
Além das festas, o que mais impressiona em Ibiza é a quantidade de dinheiro iteralmente flutuando. São barcos de todas as formas, tamanhos e cores. Um mais caro que o outro. Muitas vezes não acreditávamos no que víamos, centenas de barcos enormes lado a lado, calmamente ancorados em uma água azul anil surreal, a maioria com o som bombando e a festa rolando.
O que poderia parecer um buraco orçamentário na nossa barca acabou se convertendo em uma fonte de renda. Com tanta mulher, a Rafa conseguiu vender várias batas que tínhamos levado numa simples ida e volta pela praia, também vendi algumas, mas meu talento de vendedor foi criticado pela Rafa quando mandei que "é a última moda no verão brasileiro". Ainda bem que não trouxemos biquínis, pois provavelmente não teríamos o que fazer com a parte de cima deles.
Curtimos as festas, as praias e a ressaca de um povo que foi Campeão Mundial de Futebol.
Mas tínhamos que seguir em frente.
Mais uma vez tinha chego a hora de dizer até logo para o Cameron, esta pessoa especial que abriu um mundo maravilhoso, cheios de oportunidades para mim e a Rafa. Uma pessoa que se tornou um amigo de verdade, um Professor excelente, um irmão para a vida toda. Muito Obrigado Cameron, obrigado mesmo!!!
Ele ficaria em Ibiza, esperando a famíla do Boss que chegaria em uma semana Eu e a Rafa seguiríamos para Barcelona.
E o Miguel? O Miguel é um grande amigo, que conheci em 1998. Ele esteve em Floripa, eu morei ao lado de sua casa em Cascais. Dividimos surfadas, festas, acampamentos e roubadas. Tivemos o mesmo Professor. Estávamos na praia dois dias antes de voltarmos para portimão para fazer esta travessia e olhei para ele... era o parceiro ideal para Ibiza... Nem pensei, já intimei... Mig, que que o amigo acha de ir a Ibiza de veleiro? Ele aceitou na hora e acabou superando as espectativas. Amizade de verdade é assim... 12 anos sem se ver... Valeu Mig!!!
Em Ibiza chegou ao fim a velejada deste ano, as a Barca 2010 agora vai desvendar os segredos da Europa.
Passamos 3 dias em Barcelona, eu vim para a Praia Grande, em Sintra (Portugal) para fazer mais um Intercâmbio com a Portugal Surf Academia e finalmente surfar e a Rafa vai conhecer a Europa (Espanha, França e Itália) que sempre foi o sonho dela.
Mas isto já é outro post.
Um grande abraço a todos
Manuel e Rafaela