Após o primeiro encontro, a turma retornou ao veleiro, comeu em estilo mexicano, e desmaiou, após este longo dia. No outro dia, logo cedo, acordei para ajudar o Cameron a fazer os últimos preparativos para a velejada entre Manzanillo e Zihuatenejo.
Seria uma "perna" de aproximadamente 180 milhas, paralelo à costa, e todos queríamos parar em Pascuales para tentar aproveitar o resto da ondulação, mas, como o meu dever de casa já havia mostrado, Pascuales não tem abrigos naturais ou artificiais que permitissem nossa ancoragem.
Saímos logo cedo, com muito pouco vento, mas vento de alheta a popa rasa, com a Genoa aberta e motorando, fazendo em média 5 nós. Na metade da tarde passamos por Pascuales, realmente só conseguíamos ver a longa praia, nenhum costão, nenhuma marina.
Não havia outra alternativa a não ser seguirmos para Rio Nexpa, que fica a umas 100 milhas de ao sul de Manzanillo, e que se tudo corresse bem, deveríamos chegar logo ao nascer do sol, com boa possibilidade de pegar boas ondas aproveitando o vento offshore (terral)que sopra diariamente ali durante o começo do dia.
Sem surf, a turma aproveitou para tomar umas Margueritas, eu fiquei calminho, pois não estou mais acostumado a tanto álcool, acompanhei na cerveja mesmo. O Capitão fez a janta, servindo muito bem sua tripulação, com um saboroso arroz e filezinhos de peixe empanados.
Nada mal! Dividimos os turnos de vigia com períodos de 3 horas cada um, sendo eu e a Rafa os responsáveis pelo primero turno, das 10 às 1 da madruga, depois seria o Rhyse e a Denise, levando até as 4 da manhã e finalmente o Cameron faria o turno do nascer do sol, das 4 às 7.
Nosso turno correu tranquilamente, nenhum navio, apenas um acerto nas velas, céu maravilhoso, muita bioluminescência que fazia as ondas criadas pelo nosso barco brilharem fluorescentes. Bem bonito, bem tranquilo. No final do nosso turno, fiz a navegação, e notei que com a pequena mudança de vento, poderíamos dar um jibe e teríamos a proa em cima de Rio Nexpa, chamei Capitão, fizemos a manobra e acertamos a proa para nosso destino.
O turno do casal foi um pouco mais complicado, alguns navios, mas sem maiores problemas, no do Cameron o mar voltou a ser nosso apenas.
Acordei com o Sol nascendo para render o Cameron, que deveria estar acabando seu turno, e quando chego no cockpit, vejo ele na pilha, procurando alguma coisa, quando olho para a proa, vejo a terra, as montanhas e o sol nascendo atrás delas. Realmente nossas contas estavam bem redondinhas, acertamos em cheio o horário de chegada, agora só faltava achar o local para ancorarmos.
Fomos nos aproximando de terra lentamente, só com a genoa em cima, bem folgada, acompanhando o ecobatímetro, que teimava em pular de 12-14 metros para 4-6, preocupando o Capitão.
Fui para a proa tentar localizar algum banco de areia mais proeminente, mas não achei nenhum até voltarmos a ter 20 metros de profundidade. Logo depois fomos escoltados por um animado bando de golfinhos, que pareciam se divertir acompanhando nosso barco.
Seguimos lentamente até colocarmos o veleiro bem em frente ao Restaurante do Cheyo, que deve ter ficado de bobeira ao nos ver de volta a Rio Nexpa antes do que imaginávamos. Do veleiro podíamos ver as ondas e duas pessoas que já estavam no pico tentando aproveitar aquele momento de mar com textura de azeite e com aquela luz mágica criando um cenário perfeito para o Surf.
Sem mais demora, o Cameron foi acordar o Rhyse e eu fui preparar as pranchas. Descemos o dingue, tchauzinho para as meninas que ficaram tomando café e banho de sol,e aceleramos para o pico.
Chegamos, o Cameron ficou no dingue, eu e o Rhyse saímos remando para o pico, tinha um metro, nada muito especial para mim que tinha aproveitado aquela semana maravilhosa ali, mas muito bom para eles que teriam o primeiro surf de verdade desde que saíram de Puerto Vallarta, a mais de 10 dias.
Peguei 3 ondas o mais rápido que pude, voltei remando, entreguei minha prancha para o Capitão e fiquei cuidando do dingue enquanto eles surfavam. Tentei descer um pouco mais para ter um melhor angulo para bater algumas fotos, enquanto isto a dupla se divertia.
Eu estava amarradão só de estar ali, mesmo tendo surfado apenas 3 ondas, esta foi a minha primeira sessão de surf saindo diretamente de um veleiro que eu estava ajudando a levar, a fazer a navegação, meus cálculos estavam fechando como uma luva, estava com a minha mulher, com meus amigos, sentado num dingue novo, com motor bom, com uma máquina a prova dágua, num mar liso, numa luz perfeita, o que mais eu podia pedir?
Nada! Só agradecer!
A dupla ficou mais uma hora na água, tirei algumas fotos, depois ficou meio crowd, com os surfistas mais dorminhocos chegando para surfar, eles voltaram até o dingue e retornamos ao veleiro para seguirmos até Zihuatenejo.
Mais um dia de velejada bem agradável, com mais uma visita de um animado bando de golfinhos, que ficou brincando na nossa proa por quase meia hora, e a turma aproveitou para bater muita foto e filmar estes maravilhosos mamíferos que surfam a vida inteira e comem sushimi todos os dias.
Nossa idéia inicial era irmos até Ixtapa, um balneário turístico a 14 milhas ao norte da baía de Zihuatenejo, para ganharmos tempo e entrarmos ainda durante o dia, pois não é nada aconselhável entrar em um lugar que não conheçe durante a noite, pelo risco de se acertar alguma pedra submersa ou encalhar em algum banco de areia, mas não deu tempo, anoiteceu e conseguiamos ver Ixtapa e Zihuatenejo, mas longe ainda, 12 milhas, no mínimo 2 horas até conseguirmos entrar.
Resolvemos ir direto a Zihuatenejo pois tinha uma entrada mais aberta e segura, com apenas um rochedo na parte sul e um arrecife na parte norte. Só precisávamos acertar o caminho entre eles.
Como não tínhamos a Carta Náutica da região, fizemos o melhor que pudemos em uma navegação baseada na carta digital, que é conhecida pela sua imprecisão no litoral Mexicano do lado do Pacífico, e colocamos os olhos para funcionar tentando encontrar dois faróis que deveriam nos guiar na entrada da Baía de Zihuatenejo.
Fomos nos aproximando, encontramos um dos faróis, procuramos o outro e nada. Fui até a proa, subi no púlpito de proa e se abrisse os braços ficaria igual aquela famosa cena do Titanic, tentando ter uma melhor visão do que tínhamos a frente, o Rhyse ficou à meia nau e o Cameron na roda de leme, com os olhos colados no radar.
As luzes da cidade me ajudavam a ter uma melhor visualização, silêncio no barco, só o motor roncando em marcha lenta, concentração total, lentamente íamos tentando achar nosso caminho.... eu já com os olhos meio doídos de tanto procurar, quando chegam eles mais uma vez. Mais um bando de golfinhos chegou como um grupo de torpedos fluorescentes, criando uma cena inacreditavelmente psicodélica, mas não era a hora para isto.
Não pude me aguentar, olhei os felizes animais que criavam aquela cena inesquecível, a menos de 2 metros dos meus pés, mas por dentro eu pensava... obrigado amiguinhos, mas voltem em meia hora por favor...
Eu focado na proa, o Rhyse focado nos golfinhos (que ele nunca tinha visto a noite) e o Cameron focado no radar. Ele localizou a Roca Negra, a nosso boreste, já pelo través, e nos avisou... procuramos seu farolete mas só localizamos sua silhueta, assim como muitos faroletes aí no Brasil, este também estava apagado. Após localizarmos ele ficou claro que estávamos no caminho correto, mas não pude deixar meu posto porque ainda tinha muito barco de pesca pequeno no nosso rumo.
Seguimos lentamente baía a dentro, ancoramos a 7 metros de profundidade, em águas extremamente calmas, que refletiam as estrelas do céu, todos exaustos.
Fui para a cozinha e fiz o melhor que pude para cozinhar um macarrão para a turma, que não comia nada desde o café da manhã. Comemos em silêncio e seguimos para um merecido descanso.
No outro dia seguimos para a cidade de Zihuatenejo, bem agradável, mesmo sendo bem turística, aproveitamos para usar a internet, o casal comprou alguns produtos para a sua casa na Nova Zelândia, eu aproveitei para bater algumas fotos que eu havia prometido para o meu irmão que sempre quis conhecer este local, pois é apaixonado pelo filme Um Sonho de Liberdade, em que o personagem escapa após dar um golpe no diretor da cadeia e foge para Zihuatenejo. Realmente é um local aonde qualquer um pode passar desapercebido graças ao ritmo lento e tranquilo de seus habitantes.
Aproveitamos para comprar um belo pedaço de Atum no mercado de peixes, que fica montado sobre a areia da praia, sempre com pescados frescos, muitas vezes com Marlins e Atuns bem grandes.
Almoçamos no Pueblo, voltamos para o barco e levantamos âncora rumo à Isla Grande, a versão local da nossa Ilha do Francês, maior, com mais restaurantes e com um belo afloramento de corais para testarmos nossa máquina.
Na metade do caminho fomos conferir um outro pico bom para o surf chamado Escalleras, estilo Atalaia em Itajaí, mas para a direita, com a onda quebrando sobre o molhe da marina de Ixtapa. Pouco swell, não tinha onda. Seguimos para a Isla Grande, e para meu espanto, passamos por cima de um ilhote, graças a Deus foi apenas no Chartplotter, confirmando que realmente devemos ter dois pés atrás nas informações repassadas pelas cartas digitais que dispomos. Tirei 3 fotos da sequência do “atropelo” digital para comprovar.
Chegamos na Ilha, dois luxuosos iates, um com mais de 100 pés, alguns veleiros, localizamos um local bom para ancorarmos e seguimos para um merecido mergulho para fugir do inclemente sol mexicano.
Água com temperatura perfeita, boa visibilidade, corais multicoloridos, peixes mais ainda… mergulho de primeira qualidade, facilitado pela pouca profundidade, em média 2 metros. Deu para testar a máquina e constatar suas qualidades, boas fotos registraram o momento. A aposta era quem pegasse a Lagosta para o jantar não pagava as Margueritas, procurei bastante, mais interessado na Lagosta que nas Margueritas, achei uma pequena, mas sumiu quando fui atrás das luvas que estavam no dingue. Ninguém achou nenhuma maior, a Denise viu uma no mesmo local que eu, acho que era a mesma, mas o Rhyse também não conseguiu achá-la.
Voltamos para o barco, sushimi para abrir o jantar, seguido por Atum frito na manteiga com alho e Shoyo. Fiz questão de montar uma bela flor de atum para presentear o casal em Lua de Mel, que foi devorada pétala a pétala por todos, carne fresca, saborosa, uma delícia!
Para acompanhar, um bom Malbec argentino e cerveja.
Dormimos todos com o sorriso na orelha depois deste excelente dia.
Na manhã seguinte, decidimos explorar o beach break próximo, Playa Linda, seguido por The Ranch e Turtles, tinha um campeonato local em Playa Linda, encontramos boas ondas em The Ranch, passamos o costão até Turtles, nada especial, voltamos até The Ranch, ancoramos o dingue e assim que tive a autorização, saí remando para procurar o pico.
Encontramos boas ondas entre meio metrão e um metro, ganhando tamanho e pressão durante a sessão de surf. Apenas o Rhyse, o Cameron e eu no pico, água transparente, quente, sem vento, ondas perfeitinhas abrindo para os dois lados, lembrando bastante o Moçambique no nascer do sol.
Surfamos durante quase duas horas, as ondas ganharam força, estourou minha cordinha me obrigando uma nadada até a praia de seixos para buscar minha prancha, mas como Deus protege os abobados, ela foi jogada num dos poucos locais com areia na praia e nada demais aconteceu.
Voltamos para o veleiro exaustos pelo calor, felizes pelo surf que encontramos, especialmente pela condição azeite do mar e por estarmos sozinhos, e encontramos as meninas largadas tomando banho de sol, entre um mergulho e outro.
Organizamos os equipamentos e levantamos âncora, desta vez rumo à badalada Acapulco, 128 milhas ao sul, nosso próximo ponto de parada, aonde infelizmente iríamos nos despedir do casal, que deveria retornar à sua casa na Nova Zelândia. Mais um dia de velejada agradável, quase sempre em empopada, com ventos mais generosos, entre 10 e 15 nós, mas com mar bem liso, fazendo com que o barco deslizasse sem dificuldades e sem muito balanço, criando um ambiente bem confortável a bordo.
Logo na saída pescamos 5 Atuns, todos pequenos, e mesmo deixando dois pobres coitados merolhos, seus pais não vieram tirar satisfação. Todos foram devolvidos a água, e só aumentaram nosso desejo de pegar um de verdade.
Janta mais uma vez preparada pelo Capitão, purê de batatas com bife, mais uma garrafa do Malbec, a turma foi dormir e eu e a Rafa mais uma vez fizemos o primeiro turno, o segundo foi do Cameron, que resolveu dar um tempo a mais de descanso ao casal, que o substituiu no turno do nascer do Sol.
Fui acordado com a Rafinha me falando que o Rhyse tinha pego um belo Yellow Fin Tuna, e que o Cameron já estava filetando. Acho que o Kiwi não queria deixar o barco sem pegar um peixe de verdade, e ele realmente conseguiu. Mais sashimi para o almoço.
No começo da tarde nos aproximamos da Baía de Acapulco, a alegria era geral, o Cameron voltou a preparar as Margueritas, revezando com a Denise, que parece ter aprendido a receita com exatidão, ajudando ainda mais a aumentar a alegria a bordo.
Som ligado, Samba rolando, todos dançando, a Rafinha ensinando alguns passos de Samba, Margueritas, cerveja… Já bem próximos o Cameron resolve parar o barco para tomarmos um bom banho de mar antes de entrarmos na poluída baía. Ele pulou antes, o barco ainda seguia a quase 2 nós, mesmo em árvore seca, e ele teve que se virar para agarrar a ponta do cabo que havíamos lançado ao mar para garantir que ninguém ficaria para trás… Um por um seguiu o exemplo do Capitão, e a Rafinha quase perdeu a parte de baixo do biquini ao tentar voltar a bordo… Realmente um clima muito bacana a bordo. Muitas fotos, muita risada, muitas excelentes memórias.
Ancoramos no meio da tarde em frente ao Clube de Yates de Acapulco, em quase 20 metros de profundidade, fomos recebidos por um casal de americanos em outro veleiro, com seu filho de uns 3 anos a bordo, o pequeno era idêntico ao Teteu, o querido filho do Dani e da Mariana, os velejadores do Veleiro Mema, que devem estar saindo de Floripa por estes dias para passarem um mês velejando pelo sul do Brasil, um casal exemplo para nós dois, pelo amor que emanam, pela vontade de viver e pela rassa ao velejar. Que bons ventos os acompanhem por aí amigos. Um beijão para o Teteu… um dia vocês três estarão aqui no Pacífico, com a camisa do nosso veleiro, assim como estamos agora levando a sua com muito orgulho.
Para fechar com chave de ouro, fomos ao Iate Clube para um merecido banho de piscina e mais internet.
Diz a lenda que por aí era Tirandentes e chovia.
Manuel Alves