quinta-feira, 9 de abril de 2009

É preciso ter Fé!

Após mais uma noite no Hostel Amigo, acordamos logo cedo, mas com bastante preguiça.
Sem pressa, aproveitamos nossa manhâ para usar a internet e, lentamente, iniciamos os preparativos para continuarmos a viagem.
Era hora de partir para o litoral e deixar para trás esta Megalópole de 25 milhôes de habitantes, que muito bem nos recebeu . Cidade do México realmente foi uma ótima parada.
Ao nos informarmos sobre como seguir até a Estacíón de Camiones, como eles chamam a Rodoviária local, tínhamos que escolher o caminho a seguir.
Definir o caminho é obrigação natural de qualquer viajante, no Brasil havíamos planejado descer o da Cidade do México até Lázaro Cardenas, uma cidade portuária no litoral central, pertencente ao estado de Michoacán, vizinha ao famoso balneário de Zihuantenejo, que pertence ao estado de Guerrero, 80 km dividem estas duas cidades, parece pouco, mas o suficiente para complicar nossa decisão ao estar aqui e ter que conseguir a passagens.
Não imaginávamos que a Semana Santa aqui representa uma feriado de uma semana para todos os Mexicanos criando um movimento gigante em direção ao litoral.
Também não sabíamos que a Cidade do México possui 4 Rodoviárias, e que para cada destino existe a sua respectiva.
Acabamos escolhendo a que nos dava mais alternativas, chamamos um táxi pelo hostel e começamos a torcer para tudo dar certo.
Nosso maior problema seria não encontrar as passagens para o mesmo dia, ou encontrar uma que chegasse no meio da noite no meio do nada, coisa comum por aqui, qualquer uma das duas alternativas nos obrigaria a voltar para o hostel e continuar parados, com um dia a menos antes de embarcar, um dia a menos sem relaxar em Rio Nexpa, nosso próximo destino, e ainda seria uma opção relativamente cara.
Mais uma vez tive que pagar uma propina por causa das pranchas no táxi, mas foi legal ver a cara de surpresa do motorista quando as duas entraram como uma luva ente os bancos, enquanto o trânsito buzinava incomodado com este brasileiro folgado que trancava a rua.
Chegamos ao Terminal Tecomán ao meio dia, estava como entrada de estádio em dia de final.
Primeiro guichê… Lázaro Cardenas - Solo Mañana… Zihuantenejo - Solo Mañana
Segundo guichê…Lázaro Cardenas - No hay… Zihuantenejo - Solo Mañana
No terceiro e último fui decidido, a Rafinha diz que cruzou os dedos e botou aquela fé… Fui seco na tiazinha, falei para ela: Buenas tardes Señorita…. A tiazinha, ainda bem vaidosa apesar da avançada idade, toda elegante no seu modelito P13, com as bochechas rosadas, se abriu e mandou: Hola, en que puedo te ayudar mi amor? Assim, para resumir, acabamos comprando as duas últimas passagens do dia para Zihuantenejo, nossa alternativa número 2 do programa idealizado no Brasil, mas direto na conexão para Lázaro Cardenas, que teria a conexão para Caleta de Campos e que finalmente teria a última conexão para Rio Nexpa, aonde imaginávamos chegar até o fim do dia de hoje. Imaginávamos, pois apenas sabíamos que sairíamos da Cidade do México às 23:15hs, e que chegaríamos supostamente às 08:00hs em Zihuantenejo, depois dali iríamos depender de ônibus municipais, que movimentam a comunidade local entre os Pueblos. Era o legítimo Pinga Pinga à Mexicana.
Primeiro desafio cumprido… passagens compradas, mas e agora? Era apenas uma da tarde, o que fazer até as 11 da noite?
Decidimos voltar ao centro histórico e conhecer mais um grupo de Pirâmides Astecas. Colocamos as malas e pranchas num guarda volumes e pegamos um ônibus por apenas R$ 0,40 (centavos) e em 45 minutos estávamos chegando ao Complexo de Thlatelolco, mais um centro cerimonial com uma pirâmide principal e 8 altares secundários para sacrifícios humanos.
Três coisas nos chamaram a atenção neste ponto histórico.
A primeira foi a quantidade de sangue humano oferecido aos deuses pelos Astecas, apenas em um dos alteres secundários foram encontrados 175 crânios. Diz a lenda que eles arrancavam o coração e depois decapitavam os escravos de guerra. Cada vez que rolava alguma seca mais intensa, o sangue rolava por aquelas escadas.
A segunda foi a determinação da Igreja Católica da Espanha em meados do séc XVI, em não apenas destruir os centros de adoração religiosa asteca, mas ir além, construindo enormes igrejas sobre os mesmos, utilizando as próprias pedras dos templos. Aqui não era diferente, sobre as ruínas de um templo gigantesco, foi erguida ao longo de 80 anos a Igreja de Santiago, iniciada em 1586, tempo relativamente curto em comparação à Catedral da Virgem de Guadalupe que havíamos conhecido no dia anterior, que levou 200 anos. Igreja maravilhosa sem dúvida alguma, magicamente iluminada por falsos vitrais, pois não eram de vidro, eram de algum tipo de pedra azul, cortada bem fininha, que dava um banho de azul celeste em todo seu interior. O material necessário para sua construção consumiu grande parte da principal pirâmide, que possuía mais de 40 metros de altura e hoje restam menos de 20.
E a terceira foi como estes centros históricos foram em sua grande maioria engolidos pelos prédios e avenidas da Cidade do México, prédios muitas vezes de pobre arquitetura, construídos a literalmente poucos metros destes monumentos da história do mundo.
Voltamos ao centro histórico, mandamos um Big Mac na promoção do dia e voltamos bem cansados no fim da tarde, após passarmos no paraguaizinho local e conseguir os últimos materias que iríamos precisar, chegando ainda com algumas horas de espera para nosso ônibus.
Hora do embarque… agora era ter fé e tocar a barca.
Chegamos às 07:56 da manhã no galpão cheio de pombas vietnamitas no telhado, que parece que se esforçavam bastante para acertar os poucos bancos da Estacíón de Camiones de Zihuantenejo, e milagrosamente pegamos um ônibus às 08:25hs para Lázaro Cardenas, num ônibus antigo, cheio de nativos iniciando uma verdadeira imersão na cultura local, finalmente voltando a ver o Pacífico e em 2 horas aproximadamente chegamos a Lázaro Cardenas. Descemos do ônibus e percorremos duas quadras como dois aliens no meio de uma cidade meio velho oeste, meio Mad Max, até o Terminal de Buses Locales, que fazia a rodoviária de Tijucas parecer o Terminal Tietê em São Paulo e em menos de meio minuto, antes que a Rafinha pudesse se dar conta de onde estava se metendo, pulamos para dentro de um micro ônibus do tempo do Pacho Villa. Quando ela se deu conta ficou de cara, realmente estávamos numa espiral negativa, testando nossa paciência e limite físico em ônibus atrás de ônibus, um pior que o outro, e piorando.
Aos poucos ela foi relaxando, mas era claro que ambos estávamos sentindo o excesso de tempo sentados em aviôes e ônibus, mesmo assim acabamos curtindo bastante o caminho, ladeado por plantações de coqueiros e mangueiras, com alguns belos visuais do litoral mexicano.
Na metade do caminho trocamos de ônibus, este um pouco maior, mas com interior ainda mais sofrível, dava para sentir na pele a palha que recheava os bancos, encostar-se nas laterais era garantia de levar um pouco da poeira de Michoacán de lembrança, mas o visual compensava. Ondas, finalmente eu via ONDAS!
Praia após praia fomos seguindo por um maravilhoso litoral e por volta do meio dia chegamos à Caleta de Campos, o maior Pueblo nas proximidades de Rio Nexpa, maior mas bem pequeno, bem menor que a Ponta das Canas. Descemos do ônibus e negociamos outro táxi, achei meio caro os 4 dólares que o taxista insistia em cobrar e acabamos convidando uma menina mexicana que também iria a Nexpa para dividir o Táxi. Deu certo.
Chegamos em Rio Nexpa, alugamos uma bungalow roots, com duas camas de casal e banheiro privativo, a 15 passos da areia a praia, a Rafinha comeu um belo filé de peixe na manteiga e eu não resisti e fui surfar e mesmo com o vento lateral que prejudicava um pouco a formação das ondas que tinham entre meio e um metro, consegui pegar algumas ondas, duas boas, dividindo o pico com apenas um coroa da Califórnia que já vem aqui a mais de 10 anos.
Dormimos no fim de tarde na nossa mansão de tábuas tortas, teto de palha, em que o chuveiro é apenas um cano enferrujado saindo da parede, extremamente felizes.
Nossa fé venceu todas as dificuldades!
Um dia ouvi que uma pessoa não é rico pelo que tem, mas pelo que lhe falta.
Agora, aqui, sentado dentro deste quarto simples, de paredes caiadas, ouvindo as ondas, vendo as sombras de uma linda lua cheia, ao lado desta maravilhosa parceira, minha incansável esposa, minha alma gêmea, que me ama e apóia e que eu amo sinceramente, depois de massacar nossa mente, corpo e alma, entre ônibus, churrasco com a família, avião, mais avião, táxi, hostel, tequila, pirâmides, templos, igrejas, ônibus, ônibus, mais um ônibus, táxi…depois de ter percorrido uma longa jornada e sentir o real prazer de chegar neste pequeno paraíso em que o tempo parou e as ondas não param, tenho uma certeza tão clara como nunca antes…
ESTOU MAIS RICO QUE NUNCA!!!
Obrigado meu Deus!!!
Manezera

Um comentário:

Flavinha disse...

Primo...
Devo dizer que teus relatos fazem a gente sentir a expectativa, o alívio, as descobertas, o cansaço, a surpresa... São especiais! Brigada por compartilhar cada detalhe. Assim a gente vai imaginando o México de vcs e as fotos só coroam a aventura toda!

E, Mané, me emocionasse no final...! Tive que segurar as lágrimas... Que descrição linda e que conclusão sublime!

Uma noite descansada, com sonhos lindos, muitas ondas e céu azul pra vcs!!! Que essa boa sorte e essa fé acompanhem cada passo!

Abração!
Flá